“Essa tua cidade não é minha. Bicho daqui não sou. O que fica da Curitiba perdida? Curitiba foi, não é mais”. Essa é a opinião de Dalton Trevisan, que, em Curitiba Revisitada, nos questiona se a “cidade modelo” pode de fato servir de molde para outras. Lirismos à parte, esse também é o questionamento da pesquisadora do Observatório das Metrópoles e integrante da Frente Mobiliza Curitiba, Rosa Moura, no artigo “Curitiba: Construção e Desconstrução de um mito”. Mesmo escrita há uma década, a publicação traz reflexões ainda pertinentes que nos ajudam a esclarecer o processo de revisão do Plano Diretor da capital paranaense.
O que restou para Curitiba depois da virada do século? Para responder essa pergunta, Rosa expõe uma linha breve e clara de reflexão sobre a construção da cidade. Começa em aproximadamente 1970, quando Curitiba ainda não tinha expressividade no cenário nacional. A forte industrialização da capital paranaense aliada à concentração fundiária no restante do estado e à tecnificação do campo (com inserção na pauta das commodities) provocaram imediato êxodo rural que inflou Curitiba. Foi nessa época que o planejamento da cidade (traçado minuciosamente por gestores públicos, arquitetos e urbanistas em parceria com grandes donos dos meios de produção) ficou internacionalmente famoso.
Para dar força a esse crescimento urbano, uma forte estratégia de marketing foi criada. Uma empreitada de grande nível simbólico começou a pairar sobre Curitiba. Rosa nos mostra como esses discursos foram transformando a cidade em espetáculo. “Cidade humana”, “cidade planejada”, “capital ecológica”, “capital da qualidade de vida”, “capital brasileira de Primeiro Mundo”: todas essas denominações estão no ideário da população desde 1970. No entanto, essa imagem pode estar ruindo.
No capítulo “40 anos depois”, Rosa Moura analisa em que pontos Curitiba se tornou um cidade extremamente desigual, sendo um deles o aspecto socioespacial. Aponta as dificuldades que se colocam para a manutenção dessa imagem de “cidade modelo”, além de nos mostrar que os planos diretores da cidade abriram caminhos para a consolidação da cidade ilegal, direcionando ocupações pobres aos municípios periféricos, mananciais hídricos e áreas ambientalmente vulneráveis.